Por mais que alguns maestros da escola tradicional de regência tentem mostrar o oposto, o melhor desempenho de uma orquestra não se consegue pela disciplina com que os seus músicos seguem a vontade do seu regente. Só se consegue a melhor textura de som, a melhor profundidade, a melhor amplitude emocional de uma música quando o maestro sabe aproveitar a vivência e a sensibilidade emocionais de cada um dos músicos e desperta neles a vontade coletiva de produzir sons que atravessem com excelência o espaço entre o palco e o coração dos ouvintes. Não basta ter músicos talentosos com excelentes instrumentos e apaixonados pelo que fazem. Isso é pouco.
É interessante refletir sobre a situação de alguns movimentos sociais utilizando esse mesmo olhar da regência que carrega, fortemente, as bases das filosofias recentes de gestão de pessoas. Ao fazer isso, percebe-se, por exemplo, que o movimento em defesa dos direitos animais não tem pontes construídas. Que ele ainda não descobriu a linguagem que seja compreensível às pessoas que nunca perceberam o assunto com o coração. O movimento caminha para dentro dos que já têm paixão pela causa. Não se alarga, porque não desvenda novas fronteiras.
Nenhuma causa é capaz de crescer e de sustentar-se sem atingir a emoção da maioria da sociedade. Como na música, sem linguagem que desperte a paixão, que tenha objetivo de criar pontes entre pessoas de qualquer idade, qualquer cultura, qualquer ofício, qualquer função social, não há sentido para existir.
Construir pontes exige despojamento, curiosidade para compreender o outro e espírito de invenção para descobrir caminhos. Exige disposição permanente para o aprendizado em voo, isto é, experimentar ideias e exercitar o fazer.
No caso do movimento em defesa dos direitos animais, talvez o fato novo seja a realização de uma ação que tenha um olhar que não simplifique o mundo entre amigos e inimigos da causa. Algo que reavive a capacidade humana de sonhar com a paz entre as vidas, o espírito de aventura que significa descobrir novos caminhos de sobrevivência e o desejo de experimentar a alegria de vivenciar mundos que antes não sabiam existir.
Falar sobre a prática da crueldade contra a vida animal com dedo em riste, em tom de guerra ou de superioridade, certamente não é a linguagem que conquistará a sociedade. Para avançar, é preciso um exercício paciente de perceber o mundo do outro, aprendendo a dialogar de forma harmônica com os anseios das pessoas.
A sociedade sonha em viver melhor. Mesmo que esse sentimento seja confuso, pontuado por crises de valores, isso significa que existe entre nós uma predisposição para coisas que falem diretamente ao desejo de acordar menos pressionado e de passar os dias com sensação de paz pessoal.
Qual são as dificuldades que existem para fazer a conexão entre a prática da crueldade contra os animais e a busca de uma vida melhor dos seres humanos? Entre muitas coisas, talvez a principal seja a falta de conhecimento de como a ação cruel contra outras vidas sabota a sua própria vida.
É uma compreensão possível de ser assimilada e mobilizada, mesmo sem acessar o complexo mundo emocional de cada pessoa, apontando, inicialmente, apenas a lógica racional para os desejos que vivem no âmbito dos sonhos coletivos.
Mas para que essa conexão seja concretizada, há outro desafio. É fundamental a aceitação generosa dos que lutam pelos direitos animais, no sentido de que não há possibilidade de ter paz entre as vidas da natureza, sem fazer o caminho inicial de acolher os sentimentos individualistas. Sem essa disposição, não será possível começar a construir o entendimento.
O movimento em defesa dos direitos animais dará passos definitivos, quando houver essa caminhada em direção ao outro. No meu entender, acredito que chegamos ao momento de seguir um plano estratégico de ações que dê direção aos esforços e produza resultados palpáveis, antes que o tempo acabe impondo o esmorecimento dos ânimos.