
Comecei este artigo com a convicção de que estava falando sobre Juma. Mas, na verdade, não é sobre ela. É sobre eles, você e eu.
Um gorila é morto no zoológico, porque um garoto de 4 anos caiu em seu recinto. Harambe, cuja espécie está ameaçada de extinção, é morto por decisão dos diretores do local, que consideram as circunstâncias ameaçadoras para a vida da criança.
Os pais da criança não são responsabilizados. Os monitores do zoológico não são responsabilizados. Mas Harambe é responsabilizado.
Tempo depois, quatro jacarés são mortos em um parque temático, depois de um menino de 2 anos ser arrastado por um animal da espécie enquanto brincava à beira do lago. Um lago repleto de placas proibitivas, as quais os jacarés não sabem ler, mas nós, humanos, sim.
A família não é responsabilizada. O parque não é responsabilizado. Mas quatro jacarés são responsabilizados.
E continua.
A onça-pintada Juma é levada, em uma coleira, para participar do revezamento da tocha olímpica em comemoração aos jogos de 2016. Ao fim do evento, volta ao zoológico onde vive e escapa da jaula. É atingida por tranquilizantes. Mesmo assim, vai em direção a um soldado que acompanha a operação e é morta com um tiro de pistola.
O exército não é responsabilizado. A organização do evento não é responsabilizada. Mas Juma é responsabilizada.
Voltemos no tempo, para fevereiro de 2010, quando Tilikum, a maior orca em cativeiro, mata a treinadora Dawn Branchaeu durante uma apresentação em um parque aquático. Tilikum é isolado. Uma espécie de represália à orca, porque nós, humanos, tivemos a genial ideia – leia-se ironicamente – de capturar baleias na natureza, confiná-las dentro de uma piscina e nadar com suas cinco toneladas.
O parque não é responsabilizado. A profissão não é responsabilizada. Mas Tilikum é responsabilizada.
Um gorila atrás das grades.
Um jacaré num parque infantil.
Uma onça na coleira.
Uma orca numa piscina.
A falta de senso comum nas frases acima comprova que, infelizmente, a espécie humana vive de uma sucessão covarde de erros, sobre os quais não enxergamos a nossa responsabilidade – da primeira à última decisão.
Não é sobre Juma. Não é sobre Harambe. Não é sobre jacarés. Não é sobre Tilikum. É sobre a nossa consciência egocêntrica e desastrada de acreditar que temos o direito de decidir sobre a vida de quem julgamos ser mais fracos que nós.
Nossa capacidade de assumir a responsabilidade é como o revezamento da tocha: passamos para o outro.
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